quinta-feira, 22 de novembro de 2012
Carta Póstuma a Armindo Augusto de Abreu
Ponta Delgada, 05 de Novembro de 2012
Meu bom e querido amigo Armindo,
Eterna saudade.
Na imensa abóboda celeste, junto do Cruzeiro do Sul,
brilha intensamente mais uma estrela desde 13 de Outubro de 2012. Na eternidade,
a luz que sempre foste, continuará a iluminar a mente e o coração de todos que
na terra amaste e que te amam.
O nosso encontro deu-se graças à Web e não foi um
acaso… Pesquizava sobre a Globalização e detive-me num teu artigo, “O Sombra”,
no qual denuncias as origens obscuras de um Poder que vem há muito
estabelecendo uma Nova Ordem Internacional contra a soberania dos povos e
Nações. O texto, que li de um só fôlego, apesar de extenso, deu-me a chave para
compreender a raiz dos nossos problemas económicos e a partir dele, quis
conhecer-te. Mandei-te de imediato uma mensagem manifestando o meu apreço e o desejo
de manter correspondência contigo, ao que respondeste positivamente. Lembraste?
Isso ocorreu por volta de 1999. Nasceu assim a nossa amizade que se foi
cimentando ao longo do tempo com imenso proveito espiritual e intelectual
sobretudo para mim. Todavia sinto que, do muito que me deste, de que te estou
eternamente agradecido, haveria muito mais para me dares… Daí, perdoa-me o
egoísmo, sinto uma certa revolta por nos teres deixado… Tinhas tanto do teu
saber para nos dar…
Em Outubro de 2000, viajei ao nosso querido Rio, em
visita aos meus primos de Vila Isabel. Foi então a oportunidade sublime de te
conhecer pessoalmente. Na véspera liguei-te e tu marcaste o encontro junto a um
restaurante no Leme, cujo nome não retive. Não tinha qualquer ideia da tua
aparência. Fiquei por ali à espera, procurando adivinhar em cada transeunte a
tua pessoa. De repente, oiço atrás de mim alguém chamar-me pelo nome próprio,
familiarmente. Virei-me e vejo-te. De porte alto e forte, em traje desportivo, te
apresentaste com um sorriso afável de quem estende incondicionalmente a mão da
amizade. E assim foi, na verdade. Conduziste-me ao restaurante e numa mesa
apresentaste-me a outros dois teus amigos que aguardavam. Explicaste que não
gostavas de almoçar sozinho e quando se apresentava mais do que um conviva,
arranjavas um terceiro para não ficar a mesa com um número ímpar de comensais.
Achei piada. O almoço foi de luxo e foi, não tanto pela gastronomia, muita rica,
mas pelos convivas e pelas ideias trocadas. Ali se formou logo uma empatia de
confrades preocupados com o futuro do Mundo. Conversámos tanto que nos
esquecemos do tempo… Quase que pegava com o jantar. O gerente veio ter connosco
e nos disse delicadamente que apesar de estar na hora de encerrar o serviço, podíamos
continuar a nossa edificante cavaqueira sem problemas. A nossa confraria
despertou-lhe atenção… Em resposta, convidaste-o a participar, pois estávamos a
tentar resolver os momentosos problemas da Humanidade… Saímos e já na rua
comentaste o modo inteligente e gentil que o sujeito arranjou para se livrar de
nós. Aquele nosso primeiro encontro revelou logo ali o ser humano de excelência
que és.
Em Janeiro de 2005 vieste a Portugal com o teu filho
Gustavo, do qual falas sempre com muito carinho, sem esquecer da Bruna e da tua
Neyde, esposa dedicada. Foi a oportunidade para te mostrar um pouco de Lisboa e
arredores e de nos conhecermos melhor. Em dois dias, entre uma visita ao Castelo
de São Jorge, à Torre de Belém e à romântica Sintra, falámos de História, de
Política, de Religião e um pouco de nós mesmos. Eu te ouvi embebecido com o
manancial de conhecimentos que debitavas a cada momento. Uma autêntica
enciclopédia ambulante. Pensei com os meus botões. Em visita ao Palácio da
Pena, que se ergue na crista da Serra de Sintra, na Sala dos Brasões, apontaste
para o da família dos Abreus, que é o sobrenome que herdaste dos teus avós
paternos, e dele falaste com orgulho das tuas raízes portuguesas. Vislumbrei,
nesse momento mágico, alguma emoção nos teus olhos. Houve vários momentos
marcantes, tantos que tornariam esta minha carta demasiado longa… Mas o mais
significativo para mim foi o de alargares o meu horizonte político, na altura
ainda muito confinado aos estereótipos e dogmas da análise do Materialismo
Marxista. Embora já duvidasse da “bondade” de algumas propostas da Esquerda, foi
contigo que percebi quanto errada é a ideologia marxista-leninista, que havia
abraçado na juventude. Disseste-me nomeadamente que o Comunismo é uma canoa
furada… ou seja, um sonho irrealizável, uma ilusão criada para dar uma falsa
esperança ao povo sofrido, feita no interesse da Nova Ordem Mundial. Mais, que
Karl Marx nunca pôs em causa o Capital, apenas o queria sob a tutela de um
Estado Comunista, que a História veio a demonstrar que foi e é tão ou mais
explorador que o Capitalismo. A leitura do teu livro “O Poder Secreto”, uma
obra de grande estofo enciclopédico, no qual me honras ao incluir o meu nome
entre aqueles que de algum modo colaboraram contigo, compreendi com toda a
clareza o engano que representa o Comunismo. Foste tu que me abriste os olhos. Grato
por isso.
Em Maio de 2009, vieste a São Miguel visitar-me. Fui
ao Aeroporto buscar-te e eis a grande e generosa surpresa: trouxeste uma mala
cheia de exemplares de um pequeno livro que editaste, com a colaboração prestimosa
do teu amigo César Caldas, e que reproduz uma minha crónica, autobiográfica,
sob o título “O meu boné inglês”. Na mão e antes que te abraçasse, entregaste-me
um exemplar. Olhei-o e logo identifiquei do que se tratava… Tu sorridente e eu
emocionado abraçámo-nos. No caminho para o hotel, ainda emocionado, te disse
que mais uma vez o Brasil, tua Pátria e minha de adoção, na tua pessoa, gratificava-me
com a sua solicitude, solicitude tamanha que me deu inclusive uma mãe… Estranhei
que uns tempos antes me pedisses o reenvio da crónica e uma foto minha, mas
nunca me passou pela cabeça para que fim. Confiei simplesmente. Em boa hora o
fiz. Todavia criaste-me um problema: que fazer com 100 exemplares? Na ocasião
frequentava a Universidade Sénior de Ponta Delgada. Lembraste-me que deveria
começar por divulgá-lo entre os colegas. Assim foi. Tinha por aqueles dias a
apresentação de um trabalho de História sobre a migração açoriana para o Brasil
colonial. Convidei-te para assistir. No final, fiz a distribuição do livro,
depois de uma pequena introdução, informando que o mesmo se devia à tua
bondade. Pediste a palavra e em rasgados elogios promoveste-me a escritor.
Fiquei até um pouco desajeitado diante da turma… Mas face à tua insistência,
dei o facto por adquirido. Aliás, no prefácio, redigido magistralmente por ti,
já o fazes. Foi também a oportunidade para dares uma aula de Economia, tua
especialidade, na vertente da Moeda. Tiveste a oportunidade de esclarecer que a
Crise Financeira, que então já se vivia, era fundamentalmente um problema de
escassez de oferta de dinheiro, feita deliberadamente com o propósito político
de criar a dependência externa de financiamento. Os países ao se endividarem,
sujeitam-se a perder a sua soberania. Como tens razão! Passados dois anos,
Portugal é obrigado a aceitar um acordo de resgate financeiro de 78 mil milhões
de Euros, patrocinado pela chamada Troika (FMI, BCE e União Europeia). No bojo
dessa “ajuda envenenada”, além da exigência da redução drástica das despesas
sociais, está prevista a privatização de várias empresas públicas, entre elas a
TAP, tua bem conhecida. Na oportunidade tiveste ocasião de declarar que podemos
provavelmente voltar às trocas diretas, o que suscitou algum burburinho na
assistência. A esta altura te posso dizer, que já estivemos mais longe disso
acontecer… Por estes dias foi noticiado que numa vila grega, o povo resolver
abandonar o Euro e efetuar a troca de mercadorias e serviços por uma moeda
local.
Em Junho de 2010, preocupado com a minha saúde, brindaste-me
com nova visita. Tinha passado pouco tempo sobre a intervenção cirúrgica que
tive que fazer. Havia sido diagnosticado um princípio de câncer na próstata.
Felizmente, além da Prostatectomia Radical, não houve mais consequências. Desta
feita, aproveitando o facto de seres um Economista não-alinhado com a ideologia
dos mercados financeiros, propus-te vários eventos. Começaste com uma palestra
subordinada ao tema: “A Crise e a Moeda”, que foi realizada no anfiteatro do
Centro Cultural de Santa Clara, Ponta Delgada, minha cidade natal.
Infelizmente, não conseguimos encher a sala. A divulgação a cargo da
Universidade Sénior de Ponta Delgada não foi eficaz. Contudo os que
compareceram foram brindados com uma verdadeira aula de Economia e História. Durante
a tua intervenção, apoiada por um Power Point bem organizado, a tua figura se
agigantava à medida que expunhas o tema, fazendo-o de modo claro e convicto.
Começaste por esclarecer que os Bancos Centrais Nacionais só o são no nome. O
caso do FED é a esse respeito emblemático. Trata-se de um banco central privado
e independente do Estado que congrega os interesses de 12 bancos regionais americanos,
aprovado pelo Congresso na madrugada da véspera do Natal de 1913, aproveitando
a ausência da maioria esmagadora dos Senadores que já se encontravam no gozo
das férias natalícias. Desde essa data o Governo americano ficou refém do FED,
hipotecando os impostos futuros como garantia da emissão de moeda, que o mesmo
é dizer, submetendo para sempre os USA aos interesses privados do cartel
bancário. A seguir, desmontaste, um após outro, os lugares comuns que se tem da
moeda, demonstrando que o dinheiro que atualmente usamos não passa de “papel
pintado”, sem valor intrínseco. Acrescentaste que o Acordo de Bretton Woods,
feito logo após a II Grande Guerra, matou o último resquício de dinheiro com
lastro em ouro e permitiu que o dólar assumisse o papel de moeda de referência
para as trocas comerciais internacionais, com evidente vantagem para o cartel
bancário privado. Voltaste a referir, como já tinhas feito no ano anterior, que
o problema fundamental da Crise era o de ter gerado uma escassez de moeda. No caso
de Portugal, a situação era mais grave pelo facto de não poder emitir moeda
própria, pelo que a saída do Euro iria pôr-se mais cedo, ou mais tarde. Como
tens razão, meu querido amigo! São cada vez mais aqueles que concluem que a
adesão ao Euro foi um mau negócio para o país, havendo quem defenda o regresso
ao Escudo. Deste entretanto uma entrevista à Rádio Atlântica onde tiveste
oportunidade de referir que a Crise tinha também a ver com o Relativismo Moral
que grassa no Ocidente, que ao repudiar o Cristianismo, em particular o
Catolicismo, abriu a caixa de pandora. Esta tua reflexão causou ao jornalista
uma certa surpresa, levando-o a questionar o que é que a Economia tinha que ver
com a Religião. Esclareceste o jovem jornalista que quando não existe uma
hierarquização dos valores morais, fundada na nossa matriz cultural Judaico-cristã,
e estes são utilizados ou ignorados conforme os interesses a cada momento, tudo
é permitido e até legitimado. Daí que quando se especula em Wall Street não se
pensa no mal que se pode fazer a terceiros, mas apenas no lucro pessoal e de
grupo. Acrescentaste, como exemplo, que nas vésperas do Crash de 1929, os
especialistas negavam qualquer hipótese de crise, tal como as agências de
rating o fizeram em relação à atual Crise Financeira. Mantiveram a máxima
classificação do Banco Lehman Brothers até à véspera da sua falência, em
Setembro de 2008, facto que provocou a falência geral dos mercados financeiros.
Ainda tiveste tempo de dar uma entrevista ao semanário Terra Nostra de São
Miguel. A jornalista muito se esforçou para compreender a matéria que
procuravas esclarecer. O texto publicado reflete o pouco conhecimento dela
sobre o mecanismo dos mercados financeiros, de como atuam, nomeadamente de como
fazem dinheiro do nada... Mas deu para transmitir as ideias fundamentais do teu
pensamento acerca da Crise Financeira. Em passeio à Freguesia das Furnas, um
dos lugares mais emblemáticos dos Açores, onde se observa uma atividade
vulcânica residual através de fumarolas de caldeiras de água fervente com forte
odor a enxofre, facto que te deixou maravilhado, tivemos um encontro inusitado
com o Presidente de Portugal, que se encontrava em férias particulares a São
Miguel. Embora não tenha simpatias pelo Dr. Cavaco Silva, dirigi-me a ele e
apresentei-te Gentilmente cumprimentou-te e perguntou como estava o Presidente
Lula da Silva. Tu respondeste diplomaticamente que o “Lula está bom de saúde,
mas não o recomendo…” Cavaco Silva acusou a ironia com um ligeiro sorriso e sem
comentários. Foi também a oportunidade de me pores em contacto telefónico com a
tua esposa, Dª. Neyde, de quem sempre falavas com muito carinho e admiração.
Passaste-me o telemóvel e do outro lado, uma voz suave fez-me lembrar a minha
querida mãe adotiva, o que me emocionou. Nas vésperas de regressares, pediste-me
para te levar a uma loja de eletrodomésticos. Fiquei surpreendido… Disse-te que
se pretendias comprar algum equipamento para levar para o Brasil, ficava-te
mais barato fazê-lo em Lisboa. Delicadamente, esclareceste-me que apenas
querias ver um aparelho para comprá-lo mais tarde no Rio. Lá fomos a uma grande
superfície. Na secção de televisores tipo plasma, depois de conversar com o
lojista sobre as características técnicas de um aparelho, perguntaste-me se
gostaria de ver a Copa do Mundo num ecrã de 37”. “Não era nada mau, mas neste
momento não tenho condições de o comprar”, disse-te um pouco desconfiado… “Não
seja por isso. Ofereço-te com todo o gosto”, respondeste-me com largo sorriso.
“Não posso aceitar. Basta-me a tua amizade”, reagi. “Se não aceitas, também não
és merecedor da minha amizade”. Encostaste-me à parede e não tive outro remédio
se não aceitar mais uma prova da tua generosidade e amizade. No dia seguinte
assistimos com a minha família à abertura da Copa da África do Sul.
Dois dias depois, partiste para Lisboa. No Aeroporto
despedimo-nos com a esperança de nos voltarmos a ver em breve. Em breve, porque
querias dar a conhecer as belezas dos Açores à tua Neyde, inclusive planeavas
comprar um pequeno apartamento para passar cá as vossas férias.
Mal sabíamos que aquele seria o nosso último adeus.
Até sempre querido amigo Armindo Augusto de Abreu!
Artur Rosa Teixeira
Artur Teixeira, José Melo e Armindo Abreu, em 2010
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Senhores por favor! Onde consigo a obra o poder secreto! do Sr. Armindo?
ResponderExcluirquero ler!!
eu já rodei o Rio nos mais obscuros sebos e nada!
se alguem tiver ou souber de alguem que tenha para venda por favor me comuniquem! 21 9882-4721!
um forte abraço a todos!
Vai com Deus Armindo! Que as fantasmagorias deste mundo não lhe atormente mais em seu caminho.
ResponderExcluirO livro é EXCELÇENTE. e por ser tão espetacular é que não mais se encontra em lugar nenhum a obra.
ResponderExcluirTornou-se uma raridade, que deve ser detestada pela elite dominante do planeta.
Este é o fato que não conseguimos compra-lo.
Só conseguindo apenas baixar alguns capítulos via internet.
Seria muito interessante que o mesmo fosse reproduzido novamente.
Quando fizerem isso serei uns dos primeiros a comprar.
Adorei o Post, Parabéns!!!
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