domingo, 30 de maio de 2010
PRESTANDO CONTAS AOS AMIGOS DEDICADOS
Enviado por: Paulo Milani [pcmilani@uol.com.br]
Em: sáb 29/05/2010 14:08
Caríssimo amigo Armindo Augusto de Abreu,
A mensagem junto foi a última que tive o privilégio de receber, enviada pelo prezado amigo. Data de 21 de março. Indago se está tudo bem com você e, se for o caso, peço reincluir-me em sua longa lista de eminentes destinatários. Cordial abraço,
Paulo Milani.
Armindo Abreu responde:
Estimado amigo P. César Milani,
É sempre uma enorme satisfação receber seus ótimos eflúvios... São essas, hoje tão raras, emanações de estima e consideração, vindas de pessoas preciosas como você, que ainda me dão prazeres de viver. Tenho sobrevivido airosamente, ainda que a erosão do tempo venha me deixando, na carne e no espírito, escaras de acelerada decadência, cada vez mais evidentes. Por isso, tenho procurado fazer o que sempre planejei e almejei desde criança, enquanto é tempo e me mantenho de pé: correr mundo, observando paisagens, pessoas e pesquisando fatos, comportamentos, atitudes.
A mais recente viagem, da qual mal cheguei, me tomou cerca de dois meses, saindo de navio pela costa brasileira, até o Amazonas, subindo e descendo o grande rio-mar e seus afluentes. Em seguida, naveguei pela costa da Guiana Francesa e ilha do diabo, rumando ao caribe e suas paragens paradisíacas, cheias de iates magníficos, lojas de artigos de luxo e de suntuosas agências bancárias, que administram, sem pejo, o dinheiro vil das transações ilegais, da corrupção política, da sordidez e da degradação humanas, enquanto à volta o povo é humilhado pela pobreza e falta de perspectivas...
E quanta miséria vi entre os nossos, Milani! Nosso povo está cada vez mais empobrecido, miserável, mal vestido e mal alimentado, esmolando qualquer coisa que caia da mesa ou dos bolsos dos turistas estrangeiros abastados, que nos observam com curiosidade e razoável distância, como se fossemos o circo dos horrores, um imenso zoológico humano.
Senti a humilhação e o preconceito na própria carne. Conversei muito com esses estrangeiros, britânicos, holandeses, suíços, suecos, belgas, americanos, canadenses e até australianos, neolandeses, e acredite, só percebi a sua mais absoluta ignorância: dos fatos da vida, de seus próprios destinos, das mentiras impostas por seus algozes para manipulá-los e dominá-los, as quais eles aceitam como verdades absolutas, julgando-se, ainda por cima, membros de uma espécie rara e superior.
Obtive, apenas, pelo que pude lhes dizer e informar em troca de esgares de absoluta incredulidade, a raiva por ouvirem de um membro da sub-raça sul-americana alguns fatos das próprias histórias que, além do choque pelo óbvio desconhecimento, jamais lhes passariam pelas cabeças ocas...
Por isso, penei, sendo algumas vezes, após, solenemente ignorado por muitos rancorosos patrioteiros, indignados com as verdades que, sem pena, lhes esfreguei nas fuças...
Conheci muitos idosos que se alimentam, abundantemente, dos dividendos aqui obtidos pelas inversões especulativas dos seus banqueiros e fundos de pensão, meros rentistas aposentados que imaginam, tolamente, estar contribuindo para o nosso progresso e redenção, merecendo, portanto, além dos tapetes vermelhos que quase sempre estendemos à sua passagem, aplausos e calorosos agradecimentos...
Jamais imaginariam, portanto, estarem se alimentando da desgraça alheia, ao drenar suores do povo brasileiro via polpudas taxas de juros generosamente concedidas pelo nosso ’banco central autônomo’ e das esperanças frustradas dos brasileiros crédulos que dispersam, ingenuamente, suas poupanças na bolsa de valores...
Aqueles simpáticos e iludidos gringos, que passaram suas vidas úteis endividados pelo cartão de crédito, pelo ‘mortgage’ das suas casas e pelas prestações intermináveis dos carrões que trocam a cada dois anos, ainda acreditam serem indivíduos diferenciados, especiais e, por isso mesmo, cruelmente invejados, dando azo ao surgimento de malignos terroristas em cada esquina, que só desejam seu mal e o fim da sua justa prosperidade, enquanto semeiam o bem e os bons exemplos pelo mundo que, em sua fértil imaginação, deve lhes pertencer por inteiro...
Enquanto isso, a subserviência ao esquemão globalizado, as mentiras pregadas pelos nossos governantes estão cada vez mais acentuadas, gordas, cevadas.
Em vez do irresistível progresso trombeteado por Brasília, vi a decadência, senti cheiro de urina e de merda nas ruas de grandes capitais e cidades litorâneas. Nelas, bonitas paisagens pontilhadas de régias edificações formam Ilhas de abastança e fantasia, cercadas da mais absoluta pobreza, que vai aos poucos apertando o torniquete à volta do pescoço de uma elite insensível e burra.... Quosque tandem?
Enquanto a miséria, a sujeira, a ignorância e a doença campeiam entre nós, riquezas insubstituíveis são drenadas a olhos vistos, diretamente para as esteiras e porões dos navios estrangeiros que daqui saem, carregados, levando preciosas matérias-primas em troca de papel pintado, do lixo que abandonam pelo caminho, dos restos de comida e alguns trocados cedidos aos nossos maravilhados curibocas, que olham a tudo e a todos que vêm de fora como se fossem naves extraterrestres com seus deuses-astronautas...
Dá dó, nó na garganta, tristeza sem fim, sentir ao vivo o fracasso da nossa geração; ódio pela impotência de quem ainda se dispõe a lutar por um Brasil melhor; um imenso desprezo pelos canalhas que nos governam...
Em contrapartida, a chegada aos portos americanos é um desbunde, verdadeiro deslumbramento... Vai-se do inferno ao céu e lá fica-se sabendo, afinal, para onde vão nossos suores e impostos, confiados à sábia administração do nosso ‘operoso e tão dedicado’ banco central...
Desembarquei em NY, compungido e envergonhado, de onde fui à vida, sem olhar para os lados...
Mal chegado, viajo novamente, neste próximo fim de semana, a Portugal. Visitarei amigos em Lisboa, adjacências e nos Açores, onde também farei palestra numa Universidade de Ponta Delgada, na ilha de São Miguel, sobre o tema “Moeda e Crise Financeira Mundial”.
Será que tenho algo a dizer que valha a pena, e que alguém me ouvirá com atenção? Saberei mais adiante...
Fique, portanto, tranqüilo, pois, além de estar bem, jamais esqueço a quem de mim se recorda.
Um abraço deste teu amigo fiel, admirador e discípulo atento,
Armindo Abreu.
Marcadores:
CRISE FINANCEIRA mundial,
moeda
Assinar:
Postar comentários (Atom)
O seu livro deverá ser muito interessante.
ResponderExcluirPensa promover a sua publicação em Portugal?
Também eu desenvolvo um blogue sobre este tema, com uma análise muito sintética e concerteza muito mais polémica.
Poderá consulta-lo se assim o desejar em:
Armindo Abreu qual a sua idade? É uma pena que o tempo não poupa a ninguém se possível fosse tiraria dez anos da minha vida para te dar. Eu sou o rapaz que certa vez comentei em e-mail sobre a epoca de Cazuza, livro de viriato correia. Armindo porque os militares se calaram diante de todo esse processo de destruição?
ResponderExcluirArmindo percebi em seu livro que voce tem uma laço muito grande com portugal, porque os brasileiros desprezam tanto um povo que ainda resiste profundamente ao midas moderno? Por que deixamos de lado grande parte da nossa história pois quase todos os brasileiros tem sangue luso em suas veias. É uma tristeza muito grande quando vejo que em vez de conhecer e apreciar a cultura portuguesa e ibérica, ficamos vendo lixo na mídia.
ResponderExcluir