RECADO ATERRADOR SOBRE A TUA LIBERDADE

“ ... Digamos que tudo aquilo que sabes não seja apenas errado, mas uma mentira cuidadosamente engendrada. Digamos que tua mente esteja entupida de falsidades: sobre ti mesmo, sobre a história, sobre o mundo a tua volta, plantadas nela por forças poderosas visando a conquistar, pacificamente, tua complacência. A liberdade, nessas circunstâncias, não passa de uma ilusão, pois és, na verdade, apenas um peão num grande enredo e o teu papel o de um crédulo indiferente. Isso, se tiveres sorte. Se, em qualquer tempo, convier aos interesses de terceiros o teu papel vai mudar: tua vida será destruída, serás levado à fome e à miséria. Pode ser, até, que tenhas de morrer. Quanto a isso, nada poderá ser feito. Ah! Se acontecer de conseguires descobrir um fiapo da verdade até poderás tentar alertar as pessoas; demolir, pela exposição, as bases dos que tramam nos bastidores. Mas, mesmo nesse caso, também não terás muito mais a fazer. Eles são poderosos demais, invulneráveis demais, invisíveis demais, espertos demais. Da mesma forma que aconteceu com outros, antes de ti, também vais perder!" Charles P. Freund, Editorialista do “The Washington Post”. T.A.

terça-feira, 27 de outubro de 2009

DIALÉTICA E RELIGIÃO

Enviado pelo Coronel Médico (psiquiatra) da Aeronáutica Victor Leonardo da Silva Chaves: - widukind@widukind.net

DIALÉTICA E RELIGIÃO
  1. Certa vez ouvi, pela Rádio Rio de Janeiro (que se anuncia como sendo “espírita”), programa apresentado por um senhor e duas senhoras que se diziam “espíritas” e afirmavam que o programa também era “espírita”. O senhor invectivava contra a Igreja Católica, atribuindo-lhe muitos conceitos que nunca foram somente dessa confissão, mas que pertenceram, de modo geral, à Igreja Cristã, mormente na parte européia de cultura greco-romana, antes mesmo do Cisma. A Igreja Católica apareceu somente depois do movimento da Reforma: foi a parte da Igreja Cristã do Ocidente que não aderiu a esse movimento.
  2. Ele afirmou que para o Espiritismo não havia o “mal”, mas somente o “bem”. O “mal” era apenas a ignorância. Esse narrador demonstrou poucos conhecimentos de princípios de ética. Uma das características humanas é o senso ético e este consiste justamente em distinguir o “mal” do “bem”. Ele afirmava que entre as deidades pagãs, como as da Índia, as do Budismo chinês, que representavam o “mal”, na realidade não eram entidades más, mas um ensinamento para nos lembrar que a ignorância poderia causar o “mal”. Essa posição de monismo ético é comparada com dois fenômenos físicos: o frio e a escuridão. O frio não existe “em si”. Ele é apenas a ausência de calor, assim como a escuridão é a ausência de luz. Objetivamente essas duas entidades físicas não existem, mas subjetivamente sim. A prova é que todas as línguas têm vocábulos para os conceitos de “frio” e de “escuridão”. Quando uma pessoa diz “sentir frio”, fisicamente ela está sentindo perda de calor. Quando ela diz que está escuro, na realidade física, ela está notando ausência de luz.
  3. Se o Espiritismo, eticamente, é monista, isso não significa que as pessoas não percebam o “mal”. Quando uma pessoa se sente ofendida por outrem e resolve vingar-se de seu pretenso ofensor, ela está praticando o “mal”. É patente a oposição entres as virtudes de um lado e os vícios e os pecados de outro. Esse conceito é um “universal”: existe em todas as culturas.
  4. Quando ele acusou a Igreja Católica de ser a responsável por esse dualismo de “bem” e “mal”, demonstrou profunda ignorância da História da Igreja Cristã. Na Antiguidade do Oriente Próximo e do Oriente Médio era comum esse dualismo. No Judaísmo havia uma entidade benfazeja chamada de “Ruach” e outras malfazejas como “Dibuk”, “Lilith”. Foi na Pérsia, com o Zoroastrismo e mais tarde com o Maniqueísmo, que esse dualismo ético tornou-se bem acentuado. Para essa cultura havia, no Universo, duas Potências: uma má, “Ormuz”, e outra boa, “Mazda”. A cultura greco-romana assimilou essas idéias. O deus Midras foi identificado com Apolo. A idéia de conflito entre o “mal” e o “bem” não é criação da Igreja Católica como afirmou o apresentador, mas uma herança da cultura do Oriente pela assimilação de conceitos.
  5. Esse dualismo ético foi tão forte na Cultura Ocidental, que, no início do Romantismo, formou o conceito de “dialética” – o eterno conflito entre opostos, resultando numa síntese que gera em si seu próprio oposto. Esses palestrantes, oradores espíritas deveriam ter uma formação filosófica mais abalizada, a fim de não sincretizar o Espiritismo com outras doutrinas. No programa referido, os narradores faziam indiretamente apologia de conceitos pagãos. A Federação Espírita Brasileira lançou um DVD sobre a vida de Allan Kardec e, durante a  apresentação, o narrador afirma que a “dialética espírita” não era “idealista” como a de Hegel e nem “defendia a revolução” como a de Marx. Como explico abaixo, a dialética é uma concepção que nega a existência de um Deus providente, o que é contrário ao Espiritismo. Então não pode haver uma “dialética espírita”. Quem formulou esse DVD confundiu uma posição doutrinária metafísica, com a própria Metafísica. Para o Espiritismo, o Universo e tudo que há nele são “criaturas” de um Ser Providente. Elas não são formadas ao acaso dos conflitos. Essa herança de conflito entre o “bem” e o “mal” existe aqui no Ocidente. O Espiritismo eticamente é monista, só existindo “em si” o “bem”, mas isso não impede que subjetivamente as pessoas experimente o”mal”, da mesma forma que o fazem em relação ao “frio” e ao “calor”.
  6. É necessário que façamos uma análise do conceito de “dialética”, pois ele é a base de muitas posições dualista, que não o deveriam ser. O apresentador acima citado demonstrou não ter conhecimentos profundos desses conceitos, levando a fazer apologia de religiões pagãs em detrimento do Cristianismo.
  7. A palavra grega “dialética” significa etimologicamente do grego “dialektike”(discussão). “Em nossos dias, utiliza-se bastante o termo ‘dialética’ para se dar uma aparência de racionalidade aos modos de explicação e demonstração confusos e aproximativos. Mas a tradição filosófica lhe dá significado bem precisos”(1).
  8. Ela tornou-se vulgar através da “dialética idealista” de Hegel (1770 - 1831) e da “dialética materialista” de Marx (1818 - 1883). Os termos “dialética” ou “dialético” tornaram-se generalizados e vulgarizados, sendo empregados como filosofia de vida, método de estudo ou de desenvolvimento de idéias.
  9. “Em Platão, a dialética é o processo pelo qual a alma se eleva, por degraus, das aparências sensíveis às realidades inteligíveis ou idéias. Ele emprega o verbo ‘dialeghestai” em seu sentido etimológico de dialogar (...)” (2). “Em Aristóteles, é a dedução feita a partir de premissas prováveis” (3). Hegel define  “dialética”assim: “Chamamos de dialética o movimento racional superior em favor do qual esses termos na aparência separados (o ser e o nada) passam espontaneamente uns nos outros, em virtude mesmo daquilo que eles são, encontrando-se eliminada a hipóteses de sua separação" (4). “Marx faz da dialética um método. Insiste na necessidade de considerarmos a realidade socieconômica de determinada época como um todo articulado, atravessado por contradições específicas, entre as quais a da luta de classes” (5). Lembremos que Hegel tenha se formado em pastor de Confissão Luterana, mas afastou-se dessa igreja, abraçando o paganismo germânico do Romantismo. Marx de família judia que se convertera ao Luteranismo, não era nem uma coisa, nem outra, professando o materialismo dos intelectuais do século XIX. O “conceito de dialética”, quer o adotado por Hegel, quer o por Marx, retratava uma forma de “conflito cósmico”, enquanto para Platão e Aristóteles as diferenças côsmicas” não eram conflitos, mas degraus de ascensão da Alma.
  10. Vários fatores do ideário de sua época levaram Hegel a desenvolver sua “dialética” como se originando em um conflito e terminando com a solução desse, mas gerando um novo conflito. O que mais lhe influenciou foi a análise que fez do verbo e do substantivo alemães “aufheben” e “Aufhebung”. Evidente, que não são essas duas palavras os pilares de sua doutrina. Ela tem raízes no pensamento materialista do Romantismo, doutrinas da época em que viveu (“espírito da época” ou “Zeitgeist”) que precisavam explicar a vida, o mundo e suas transformações sem uma Providência Divina.
  11. “Aufheben” significa levantar, suspender, elevar, alçar, sempre com sentido ativo. Por extensão e figurativamente, “extinguir”, “acabar”, “findar”. Pois a idéia de “suspender” pode ter correlação com “extinguir’. O substantivo “Aufhebung” significa, portanto, levantamento, suspensão, elevação, alçamento, extinção, término, fim. Hegel tomou esse vocábulo para exemplificar que todo conceito trazia dentro de si sua “oposição”, um “conceito antagônico”, sua ‘negação”. O conflito entre esses dois opostos formaria um novo conceito que já traria dentro de si sua “negação”. Esse conflito ficou bem exemplificado com a tríade: tese, antítese e síntese. Essa última seria uma nova tese que já traria sua antítese. Seria um processo infinito, dispensando a Providência Divina para a criação e término de tudo que há no Universo.
  12. Aufheben é uma palavra composta. Possui uma raiz (heben) e prefixóide (auf). “Heben” é um verbo ativo. Se um lápis estiver caído sobre uma mesa e o levantarmos, o colocarmos de pé apoiado em sua base, “nós o levantamos” (heben, devidamente flexionado no passado). Se uma pessoa estiver sentada e levantar-se, ela “heben” (com a flexão gramatical e o pronome reflexivo). O verbo “heben” significa levantar, mas sem perder o contado com a superfície onde estava.“Auf” é uma preposição locativa superesiva, significa algo que está em cima e em contato com uma superfície. Já como prefixóide, significa uma idéia locativa delativa, isso é, aquilo que se desprende, procede de uma superfície. “Aufheben” é levantar-se (ou ser levantado), abandonando a superfície de contato: elevar, suspender, alçar, podendo se empregado ativa e reflexivamente. A idéia de elevar, suspender pode ser estendida para outros conceitos semelhantes, interrelacionados. É uma operação analógica. Por exemplo: se uma criança está correndo em chão molhado, um adulto pode suspendê-la, elevá-la, alçá-la, a fim de que ela não escorregue e caia. Com isso ele interrompe, extingue sua corrida. As idéias de suspender, elevar, que significam exalçar, podem significar também o oposto: extinguir, interromper.
  13. Isso não nos parece que a palavra “aufheben” traga já dentro de si sua “negação”, como dizia Hegel. O conceito de “negação” que surgiu foi por extensão. Para nós, Hegel não fez corretamente uma interpretação semântica.
  14. Conclusão. O apresentador acima citado, embora estivesse certo em mostrar o monismo ético do Espiritismo, não soube fundamentar-se corretamente em Filosofia, desviando-se do assunto e chegando à apologia de doutrinas pagãs. Outros espíritas que afirmam haver uma “dialética espírita” estão fazendo uma moxinifada de conceitos éticos, cosmológicos e de antroposofia filosófica. Concluo que há falta de preparo básico para palestrantes, oradores, apresentadores espíritas. No \movimento Espírita Brasileiro, há pessoas que se jactam de que no Espiritismo não há professores. Para nós esse é o ponto frágil desse movimento.
Palestrantes, oradores, pregadores, não podem ser improvisados, necessitam de curso básico de formação.

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